sábado, 28 de janeiro de 2017

Do Espírito Santo à Bahia

Entrando no Espírito do Espírito Santo!!  Não é pra qualquer um!! Não é pra qualquer hora. Aquela era a minha hora. Eu entrei no quinto Estado do nosso Brasil pedalando, mais precisamente na cidade de Baixo Guandu.

A distância entre Aimorés - MG e Baixo Guandu - ES são 8 km, praticamente coladas. Novamente encontro os trilhos dos trens quase na saída da cidade. Parágrafo para o momento reflexão junto ao trilho. Quem não fica parado olhando os trilhos pensando em qualquer coisa.

Acho que os trilhos nos remetem a histórias românticas. Eu, particularmente, me sinto hipnotizada, tamanho é o seu magnetismo. Me deixo viajar parada olhando aquele caminho retilíneo com os espaçamentos simetricamente colocados. O que contrasta e ao mesmo tempo combina com tudo ao redor. E quando se ouve o apito e o barulho do trem chegando, qualquer um pára pra ver ele passar. Os trens são lindos, seja ele de carga ou de passageiros.

Depois de viver meu momento trem segui pra Colatina distante 48 km. Novamente estradas isoladas somadas a paisagem seca e quase sem vida.

A cada curva a esperança de encontrar árvores verdinhas ou rios com muita água. Mas foram quilômetros e quilômetros na mesma paisagem.

 

Então, a medida que eu seguia também fui justificando o porquê de tanta seca...longo período sem chuvas, muito tempo sem chuvas. Foi quando eu encontrei um grande rio e sorri. Hummm encontrei afinal um rio com muita água. Sim, muita água em comparação aos muitos rios que eu passei e que estavam secos.

Mas esse era o Rio Doce. E eu fiquei por minutos olhando pra ele com misto de espanto e tristeza. Nessa hora é que eu caí em mim sobre esse rio. Esse era o Rio Doce que sofreu e ainda sofre com a catástrofe de Mariana.

Ali, depois de tantos quilômetros que a lama percorreu o rio ainda padece. A partir daquela Ponte sobre o Rio Doce a qual se iam 466 metros acompanhei o rio até Linhares. Mais ou menos 120 km de lama, de destruição. Durante o caminho até Colatina devido ao meu desapontamento esqueci do meu percurso e pensando estar muito longe ainda parei pra perguntar. Parei no IFES, Instituto Federal do Espírito Santo, e perguntei ao porteiro da Instituição sobre a distância até Colatina. Eu estava muito perto. Continuei meu caminho. Quando, de repente, vejo longe um ciclista speed vindo a toda velocidade. Eu levantei o polegar pra cumprimentar e pensei rindo que esses ciclistas passam tão rápido que nunca cumprimentam. E segui rindo do meu pensamento.

 

Comparei ele a um personagem de desenhos o papa-léguas...rs rs zum...zum...zum. E sem esquecer o ciclista, pedalando vagarosamente, observando sempre o Rio Doce. Foi quando o ciclista encostou e falou oiiiii. Eu olhei pra ele e sorri. E sem parar seguimos pedalando, dessa vez bem devagar. Devagar o suficiente pra irmos conversando. Nos apresentando e nos conhecendo. Contando muitos causos, histórias da viagem. Adailto, como se chama, me convidou pra almoçar na casa dele. Não sem antes da nossa foto documento de estrada. Depois seguimos pra casa da Idalina, sua mãe.  Meio dia e meia é a hora que a fome pega. E encontrar aquela comidinha caseira feito pela mamãe, de Adailto, tudo de bom. Atacamos as panelas. Comendo e conversando fui descobrindo um amigo maravilhoso. Adailto tem uma energia única. Ele me passou tranquilidade e eu me senti tão bem que o tempo passou muito rápido. Mas, a essa hora não me preocupava mais o tempo passado. Eu já estava em Colatina. Foi quando Adailto perguntou se precisava arrumar alguma coisa na bike. Só assim lembrei que poderia ter algo pra arrumar. Ele deu uma olhada e falou que seria necessário a troca das roldanas. Eu falei que se ele soubesse trocar que o fizesse. Não só trocou como também me orientou em como trocar caso houvesse necessidade durante a viagem.  E nesse momento chegou o Lau Foguinho. Seu amigo do coração. E agora também meu amigo do coração. Conversa a três. Daí a conversa se estendeu mesmo. Só que Adailto tinha hora no trabalho. E nos despedimos.  A emoção tomou conta de nós. Como era difícil dar tchau. E eu fiquei com Lau. Tínhamos combinado de eu ir dormir em seu apartamento que ficava no centro de Colatina. Mas até lá ainda tinha mais 10 km a ser percorrido. Saí na frente porque Lau estava de carro.

Marcamos nos encontrar no Lemão Bike. Deu tudo certo. Conheci o Lemão que é um revendedor oficial da Soul, em Colatina. E me presenteou com a troca da segunda roldana e mais um ajuste na corrente. Um querido, humilde e pelo que senti amigo de todos. Obrigado Lemão. Depois, eu segui Lau até o apartamento dele. E pra fechar o dia começou uma chuvinha fina que deu pra molhar. Mas também deu pra cansar. Lá no apartamento conheci a Roberta, namorida de Lau.

Que me acolheu com um sorriso encantador. Roberta é de uma beleza surpreendente. Linda de espírito tanto quanto Deus a fez linda fisicamente. Nossa foi um dia e ainda foi uma noite cheia de surpresas.

Depois do banho ainda acompanhei Lau e Roberta a uma reunião de trabalho pra depois acabar a noite num boteco de Colatina, experimentando o famoso Angu Capixaba. Dos deuses, maravilhoso mais uma boa pinga de gengibre. É pra esquentar até a alma rs rs rs. Era hora de ir pra casa, casa de Lau. A noite foi pequena mas bem dormida. Roberta saiu antes porque tinha hora pra chegar. Depois eu fui arrumando a bagunça e Lau em seguida.

Lau disse que seguiria comigo até uma parte da viagem. Então, saímos os dois, de Colatina, em direção a Linhares. Adailto falou que se desse tudo certo nos encontraria no caminho. 

 

Percorremos todo o centro da cidade, atravessamos uma ponte e chegamos a uma estrada secundária que nos levaria até a estrada pra Linhares.

Fomos tranquilamente conversando, filosofando e fotografando sempre a beira do Rio Doce. Quando nós comentamos que Adailto não tinha aparecido, ele apareceu atrás de nós rindo.

E andamos apenas alguns metros quando surgiu também o Herivelto. A confraternização aconteceu ali mesmo na beira da estrada. Depois os meninos sugeriram continuar a viagem até Humaitá.

Lá almoçamos e Adailto partiu em seguida porque teria que trabalhar. O Adailto voou.

Porque teria que ir até em casa, tomar banho e ir trabalhar em menos de uma hora. Só que nós estávamos a uns 40 km de Colatina. Do centro de Colatina até a casa dele mais uns 10 km. E mais o caminho para o trabalho. Rs rs rs, ele se foi pedalando forte, quase voando, aliás eu descobri que ele é supersônico. Adailto é campeão capixaba de MTB. Lau me apresentou uma estante cheinha de medalhas e Troféus na casa de Adailto.

Nossa despedida em Humaitá me fez ficar muda, em silêncio. Adailto é uma pessoa incomum. Carismático, amigo, parceiro. Fiquei triste momentaneamente. Mas, pelo presente de ter conhecido Adailto, feliz. Feliz porque estava com Lau dividindo comigo aquelas horas até Linhares.

Por conhecer pessoas especiais que marcaram minha passagem pelo Espírito Santo. E assim, eu e Lau, seguimos caminho.

Hora falando, hora brincando, hora comendo. Perto das 5 h da tarde começamos a chegar em Linhares e pela primeira vez eu estava com muita fome. Falei a Lau, quando chegar a Linhares quero ir direto pra uma padaria e comer muiiiiiiiiito. Como Lau já conhecia muito bem a cidade fomos direto a uma padaria dele conhecida.

Eu comi muiiiiiito. Até sentir sono rs rs rs. Depois seguimos para um hotel que ele indicou e também pra encontrar com Herivelto. Logo que Herivelto chegou eles colocaram a bike de Lau no porta malas. Mais uma despedida. Despedida carinhosa. Obrigado Lau pela companhia, pelo bate-papo, pelas risadas...Foi uma parceria maravilhosa. E Linhares foi uma cidade de passagem apenas porque no outro dia fui embora.

 

Dessa vez era a hora e a vez de encarar a BR 101.  A medida que eu saia de Linhares ficava mais fácil e tranquila a viagem. Apesar da ser uma rodovia de alta concentração de caminhões eu estava tranquila com o pouco movimento. Logo na saída encontrei um quiosque que vendia caldo de cana.

Garrafa térmica abastecida e segui viagem. Nesse percurso, depois de Linhares, a estrada é bastante plana. Então, essa distância até São Mateus foi tranquila. Com uma paisagem bastante simples e igual. Mas não posso esquecer desse dia.

Especialmente porque enquanto pedalava meus pensamentos sorriam com a ansiedade em saber se seria avó ou não.

 

As horas passavam e minha filha não ligava pra me falar sobre o resultado do exame. Quando faltavam 12 km pra chegar em São Mateus nuvens carregadas no horizonte indicava que era hora de procurar abrigo. Foi quando parei em um restaurante a beira da estrada pra esperar a tormenta chegar. Nessa hora minha filha ligou e me deu a notícia de que esperava um filho. A chuva chegou maravilhosamente junto com minhas lágrimas de felicidade. E assim fiquei por um bom tempo sonhando e sentindo aquela chuva maravilhosa.

Alguns minutos depois, quando aquela nuvem se afastava, o sol voltou a brilhar quase já na linha do horizonte. Eu acordei dos sonhos e retornei a estrada porque teria pouco tempo pra chegar a São Mateus antes do anoitecer. Minha felicidade era tanta que me deu forças e alcancei o centro muito rápido. Rápido o suficiente pra eu chegar e conseguir me abrigar de mais um pancada de chuva.

Parei em um bar que estava fechado mas tinham algumas cadeiras na área externa. Fiquei ali esperando o temporal ir embora.

Perto das 8 da noite, com garoa fina, muita água pelas ruas, resolvi procurar o hotel mais próximo e também foi o mais caro de toda a minha viagem. Pra completar a água de São Mateus é salobra. Até para escovar os dentes é uma experiência nada interessante. Tomar banho e lavar os cabelos é a mesma coisa que sair de um banho de mar. Dá pra sentir o sal na água não tratada. Muito ruim. O jeito era deitar e dormir. Descansar porque o melhor era sair de lá. Com aquela sensação de querer sair rápido e sem olhar pra trás. Foi assim que eu fiz, fui embora.

Como de São Mateus a Pedro Canário eram perto de 40 km achei que estava tranquilo. Mas a medida que eu seguia mais difícil se tornava a viagem. Eu tinha marcado com o Wagner para nos encontrar às 11h no trevo para Pinheiros.

Mas eu sentia o corpo cada vez mais pesado e parei no SOS da estrada pra dar uma respirada. Nessa hora conheci o Wellington Santos  e sua esposa, amigo de Adailto, de Colatina.

Grata surpresa encontrar amigos desse jeito especial. Tinha que seguir pois Wagner estava me esperando. Era passado de 11.30 h quando cheguei no trevo combinado. Conversamos pouco devido ao meu atraso.

E Wagner se foi e eu não consegui sair dali. Meu corpo pesava, minha cabeça doía, o brilho do sol estava me incomodando...essa hora é complicado.Se você entra no desequilíbrio psicológico não pedala mais. É necessário muita força e pensamento direcionado pra onde quer ir.

A vontade é de ficar, nem mesmo olhar para o lado. Então temos que dirigir o pensamento para o objetivo, focar e seguir, seguir, seguir. Foi o que eu fiz.  Os 24 km até Pedro Canário triplicou em meu corpo. Mas o pensamento em querer chegar faz a gente ir em direção do foco. E rindo a cada km conquistado rs rs rs  E ainda nesse mesmo dia tão difícil pra mim, numa super descida um prego de mais ou menos 10 cm atravessou o pneu traseiro.

Como eu não tinha condições físicas chamei o SOS, da rodovia. Logo chegou o socorro e me ajudou a trocar a câmera. Ainda me deu uma carona pra sair daquela descida e subida do além. 

 

Perto de 4 e meia da tarde cheguei a Pedro Canário. Cidade pequena. Sábado. Comércio local fechado. Poucas pessoas nas ruas. Parei, pensei e resolvi ir pra rodoviária e pegar um ônibus. Pedro Canário é a última cidade do Espírito Santo. Conforme todos os conselhos recebidos era pra  tomar muito cuidado quando entrasse no estado da Bahia.

A BR 101 em péssimas condições somados aos perigos. Peguei o ônibus às 6 e meia da tarde para Porto Seguro BA.